O Yoga Sutras do Rishi Patanjali descreve uma visão psicológica do Yoga, não um Yoga físico que apenas é mencionado de passagem.
Em primeiro lugar o Yoga Sutras define Yoga como Samadhi ou um estado de auto realização, para o qual todos os outros aspectos do Yoga são fatores de manutenção. Essa auto realização não é uma modificação do ser, mas um estado natural próprio do ser, do observador ou do Purusha, nossa consciência incondicional , além dos gunas, do tempo, do espaço e do karma. Para essa tarefa monumental ser alcançada, os textos prescrevem o desapego e a (des) identificação com as atividades da mente (chita vritti nirodha) que geram distorções e ilusões. Uma vez que a mente é silenciada, ela pode “refletir” o Purusha, ao invés de ficar perdida nas suas próprias distrações, que é o estado natural do ser humano. Isso requer ir além da mente e do ego.
Particularmente, os Yoga Sutras contornam com profundidade teórica o sofrimento psicológico e também contém as chaves para a sua remoção. Essa é a teoria dos Kleshas. Os Kleshas são os principais fatores da aflição e do sofrimento no nível mental, o que acaba por afetar o corpo igualmente. A pessoa só pode descobrir o seu verdadeiro “Eu” se forem removidos os Kleshas.
Os cinco Kleshas
Avidya
Avidya é o termo chave e deve ser entendido com sentido próprio. A tradução mais comum para avidya é “ignorância”, que é o termo mais aproximado para o seu significado, porém é comum ser mal compreendido. Avidya não é simplesmente o não saber, que é o sentido literal, mas refere-se a uma forma inferior de conhecimento que pode bloquear nosso acesso ao alto conhecimento, ou o que é verdadeiro. Esse conhecimento baixo ou inferior é o que mantém a mente superficial, parcial, discriminatória e dividida em sua ação, enraizada nas limitações do desejo, dos sentidos, do corpo e em nosso condicionamento cármico. Em outras palavras avidya é um baixo ou falso conhecimento, o conhecimento limitado que se origina da mente humana e dos sentidos apegados as aparências do espaço e do tempo.
Existe uma ignorância basilar ou falta de um conhecimento irrevogável que nós todos devemos encarar durante a vida. Todos nós nascemos em um estado de não conhecimento de quem nós somos ou por que nós nascemos. E o conhecimento que adquirimos durante a vida é baseado no tempo e circunstâncias que ficam sempre mudando, variando, incompletamente e ocasionalmente, completamente erradas. Nós não possuímos um conhecimento existencial do nosso ser interior e da realidade eterna. Nós permanecemos presos num relativo conhecimento exterior que não pode nos dar a solução desse derradeiro dilema da vida ou revelar nossa verdadeira natureza. A esse conhecimento interior é que se refere Vidya, e a esse conhecimento exterior é que se refere A…vidya.
Aqui nós devemos entender que mesmo toda a ciência e nosso conhecimento intelectual, em gênero, número e grau está olhando para o exterior, é um tipo de Avidya, de não ou limitado conhecimento ou potencialmente uma informação mal compreendida. É um conhecimento prezo na sombra do gênero, do número e da forma que não pode nos levar além d esses conceitos.
Amista
Dessa ignorância basilar ou conhecimento limitado surge asmita, ou o sentido de “Eu me amo”, que é o ego e a arrogância. Nós criamos uma idéia de nós mesmo com um ser dividido, uma auto imagem ou identidade corpórea na esfera da ignorância ou na ilusão do espaço e tempo. Nós achamos que sabemos quem realmente nós somos. Nós usamos nosso conhecimento que é parcial, dividido e tendencioso, como se fosse uma verdade absoluta. Asmita colore nosso conhecimento com auto interesse e agendas baseadas em nosso ego. Nós projetamos o que nos beneficia como verdadeiro e aquilo que não nos beneficia como falso. Nós criamos uma identidade limitada de nós mesmos baseados em cima de nosso corpo que é limitado pelo tempo e pela morte, no qual nossa identidade interior, nossa consciência psicológica é perdida e esquecida.
Raga e Dvesha
Dessa coação do ego, naturalmente surgem as dualidade da atração e da repulsão (raga e dvesha) . Isso inclui toda a escala de amor e ódio, gostar e detestar, desejar e rejeitar, comandando todo tipo de complicação ou aflição emocional. Pela ignorância e pelo ego nós caímos numa rede de dualidades. Nós caímos na roda viva do sofrimento ou Samsara, correndo atrás do que imaginamos ser bom e nos afastando do que imaginamos ser ruim, embora o que possa ser bom ou ruim, nunca seja certo e sem contar que um pode, facilmente, tornar-se o outro.
Abhinivesha
Esse incessante girar da roda da atração e da repulsão resulta em abhinivesha, onde nos tornamos irremediavelmente enredados num processo dualístico – afirmando e defendendo nós mesmos dentro disso, como se isso fosse o nosso real propósito da existência. Abhnisheva literalmente significa imersão total, porém num sentido negativo de tornar-se preso numa espiral de sofrimento. Geralmente isso é traduzido como uma prisão em vida. Porém mais precisamente refere-se a um estado profundo de condicionamento, a um trauma ou vício, como um fator de depressão (tamas) ou inatividade e auto – destruição. Abhnisheva, nossa completa submissão ao mundo da dualidade, acaba por nos privar dos questionamentos dos Kleshas e nos mantém sofrendo. Nós somos como um jogador derrotado, que viciado na jogatina, perde a capacidade de questionar porque continua jogando.
Removendo Avidya
A chave para acabar com o sofrimento promovido pelos Kleshas, como diz o Yoga Sutras, reside em remover avidya. Assim os outros Kleshas serão removidos já que a sua raiz foi removida. Com essa finalidade primeiro precisamos reconhecer que o conhecimento que contorna a mente baseado no gênero, número e grau é inerentemente limitado e superficial. Esse conhecimento nos ajuda a navegar no mundo exterior, porém não é suficiente para descortinar os segredos espirituais por trás de nossas vidas. Nosso conhecimento externo é uma ignorância interna, que deve ser mantido do lado de fora para o interior florescer.
Como a nossa visão é orientada para o mundo exterior não somos capazes de enxergar a realidade interior, contactar nosso ser interior ou descobrir qualquer sabedoria duradoura.
O verdadeiro conhecimento, como dizem os Yoga sutras, aflora do samadhi, uma completa e silenciosa concentração da mente no seu objeto de observação, sem absolutamente nenhuma reação condicionada da mente. Samadhi é uma experiência da realidade e uma percepção direta do próprio ser. É um estado de observador e conhecedor, com desapego das qualidades e objetos externos, pensamentos e emoções. Esse verdadeiro conhecimento não possui conteúdo conceitual e não pode ser descrito ou definido de maneira definitiva. Pode ser comparado com luz pura, espaço vazio, existência inqualificável, paz inabalável e pleno contentamento. O reflexo disso é um estado de plena consciência interior, não uma busca por ação e conveniência. Esse estado faz com que o mundo exterior apareça paralisado. Remover avidya não é nada fácil porque requer uma visão completamente diferente da realidade, requer abdicar muito da visão ordinária da vida.
Promovendo a Unidade de Consciência
Como nós podemos alcançar esse alto conhecimento que está além do que nossas palavras podem descrever e de todas as dualidades? A maneira é simples mas nada fácil de se conquistar. Nós devemos aprender a observar os movimentos da mente e dos sentidos com desapego, como se nada fosse acontecer conosco, mas simplesmente como um fenômeno externo, como se fossem nuvens passando pelo céu. Devemos desenvolver paciência em um nível profundo do corpo, energia e vitalidade, sentidos e mente, não empregando força nem esforço mas relaxando profundamente, deixando ir, recebendo e nos entregando. Essa é a fórmula do Raja Yoga de Patanjali. Isso só é possível quando exercitamos um Yoga Sadhana, seguimos o nosso Dharma de vida, e olhamos para além das aparências do mundo para dentro da nossa verdadeira consciência. Ainda que em última análise isso requeira desenvolvimento passo-a-passo da consciência, vagarosamente nós deixamos de considerar os impulsos mentais.
Enquanto nós não podemos nos mover além do conhecimento conceitual exterior para a luz interior da consciência pura , sofreremos pelo engano. Nossos julgamentos não serão confiáveis. Nós vamos em direção aquilo nos faz sentir bem ou parece bom e perdemos as boas coisas que estão ocultas por traz da cena. Esse estado de plenitude não requer nenhuma palavra, idéia ou instrumento, surge como uma revelação.
A verdadeira prática do Yoga é um questionamento meditativo acerca da essência da realidade, nosso verdadeiro Eu, é a mente por trás da mente, a linguagem por trás da fala, o fonte por trás do energia, o observador por trás do observado, o ouvinte por trás do que é ouvido. Isso nos leva do corpo e da mente para o centro do ser, nossa consciência.
Daí podemos compreender que a vida é apenas uma experiência dentro de nossa grande própria realidade, que abrange o universo. A partir desse discernimento nós deixamos ir o corpo, a mente, o ego e a memória e abraçamos nosso verdadeiro Eu. Essa é a cura definitiva para o sofrimento psicológico proposta pelo yoga, mas que também é a descoberta da paz e felicidade verdadeiras. Esse é o verdadeiro ensinamento do Yoga Sutra. Isso é permanente na verdadeira natureza do Eu e não mais haverá identificação com nada além de nós mesmos.